Por uma extensão rural pública e participativa voltada para a promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável

 Por uma extensão rural pública e participativa voltada para a promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável

Por Adilson Roberto Bellé, Alisson Vicente Zarnott , Andréia Nunes Sá Brito, Arlindo Jesus Prestes de Lima, Eduardo Jaehn, Eduardo Miotto Fleck, Igor de Bearzi, Jacir João Chies, Juliano Ferreira de Sá, Laila Garcia Marques, Mairo Trentin Piovesan, Pedro Selvino Neumann, Régis Trentin Piovesan, Vinicius Piccin Dalbianco (*)

  1. O serviço de assistência técnica e extensão rural (ATER) é um processo continuado e duradouro de educação rural no qual os e as extensionistas rurais constroem conhecimento, informação e desencadeiam processos de desenvolvimento com os agricultores e agricultoras usando de diferentes metodologias. Pelo importante papel desempenhado pela ATER no Rio Grande do Sul, entendemos que ela pode ser caracterizada como uma das principais políticas públicas de desenvolvimento rural, podendo esta ser sustentável ou não, a depender dos princípios, diretrizes e forma de execução que orientam as ações de extensão rural. O serviço de ATER teve papel relevante na organização das famílias de agricultores para reivindicação de direitos e para a organização da sua vida social e produtiva; na implementação de diversas políticas públicas; na construção, articulação e organização de mercados para os produtos da agricultura familiar; na construção da agroecologia; na discussão da juventude rural e nas questões de gênero, cumprindo um papel destacado no desenvolvimento rural sustentável.
  2. A forma como continua sendo conduzida a política agrícola no Brasil não dará conta de resolver certos problemas, como os elevados níveis de desemprego, êxodo e pobreza no meio rural, a problemática da insegurança alimentar e nutricional, além da degradação do meio ambiente. O desmonte das políticas públicas de extensão rural, a redução dos recursos, a diminuição de extensionistas, o sucateamento das estruturas públicas e a redução do papel do estado no RS geram impactos negativos no desenvolvimento rural, caracterizado inclusive pela volta da fome no campo. Em algumas localidades a extensão rural é o único meio de acesso da população a algum serviço público, devido a diminuição ou ausência do Estado. O enfraquecimento desse serviço, além de ampliar a invisibilidade das populações rurais que mais necessitam de apoio público, também entrega exclusivamente ao setor privado a orientação técnica produtiva, conduzindo esta para a lógica de interesse das próprias empresas vendedoras dos produtos agrícolas. Não é possível prever um plano de desenvolvimento rural sustentável sem uma extensão rural forte e comprometida com os territórios.
  3. A situação da Política de ATER é reflexo do campo de tensionamento onde, de um lado estão aqueles defensores de um modelo agrícola produtivista e de outro aqueles que preconizam um desenvolvimento rural sustentável, capaz de viabilizar os agricultores e as agricultoras vivendo com qualidade de vida campesina. Esse campo busca estimular formas organizativas e solidárias, produzindo alimentos saudáveis, gerando segurança e soberania alimentar e nutricional, bens e serviços para o conjunto da população rural e urbana. Para esse grupo, a oferta de ATER deve ser pública, participativa, com capacidade para atuar em diferentes áreas relacionadas à criação e promoção de acessos aos mercados, bem como, ao estímulo às iniciativas que garantam a geração de renda para as famílias.
  4. O serviço público de ATER foi duramente desmantelado na década de 1990. Paralelamente surgiram inúmeras organizações privadas e/ou da sociedade civil que vêm realizando ações de Extensão Rural. Esse histórico de desenvolvimento institucional da ATER constituiu um ambiente pluralista, com a presença de diversos agentes e instituições, exigindo por sua vez, uma nova dinâmica de organização, planejamento e coordenação dos serviços de ATER. As diretrizes da PNATER em 2003 foram influenciadas por este pluralismo institucional, em sua proposta de reorganização do sistema nacional de extensão rural. O que vimos ao longo de todos estes anos foi a passagem de um Estado executor da política de ATER para fomentador de atores privados e públicos e a consequente terceirização dos serviços. Tal estratégia trouxe um conjunto de problemas, entre os quais cabe destacar a atuação descoordenada e diferenciada das diversas instituições que recebem recursos públicos para executar as políticas de desenvolvimento rural, incluindo a ATER, resultando em realidades muito díspares nos territórios quanto à cobertura, configuração institucional e orientação dos serviços de ATER. Além disso, a carência de planejamento e organização de ATER, estimulada pela busca por financiamentos, faz com que os extensionistas se dediquem quase exclusivamente à execução de ações fragmentadas, que caracterizam uma priorização pelos procedimentos/ações em detrimento dos processos/produtos. Por conta disso, propomos a passagem de um ambiente pluralista de ATER para um Sistema Pluralista e Descentralizado, onde existe a necessidade de uma extensão construída, planejada, coordenada, supervisionada e avaliada a partir da participação das diferentes organizações que a compõem, entre eles os agentes sociais assistidos, as organizações prestadoras de serviços, as instituições de ensino e pesquisa e o governos.
  5. Num Sistema Descentralizado e Pluralista de ATER, a função das instituições prestadoras não pode ser de meras executoras (terceirizadas), mas sim propositoras e co-responsáveis pelos rumos da ATER pública. Ao mesmo tempo, a participação social não pode ser meramente consultiva/opinativa, mas sim deliberativa, prevendo inclusive mecanismos de financiamento da gestão social, pois os agricultores não podem arcar com os custos que a participação/gestão social demanda. Tais oportunidades possibilitam inclusive rever a gestão da instituição pública/estatal, não só seu papel no sistema pluralista, mas também a própria natureza dos processos de tomada de decisão.
  6. Esses ajustes podem proporcionar aproximações entre diferentes atores envolvidos no contexto da extensão rural, fomentando desafios metodológicos com o objetivo de valorização dos saberes e conhecimentos dos agricultores e agricultoras e extensionistas, reduzindo os diferenciais de poder (ordenados e mediados pelo conhecimento técnico, que municia o extensionista com a maior parcela nessa relação assimétrica de poder) e ampliando as possibilidades de ações adequadas aos anseios e às realidades sociais, econômicas e ambientais dos agricultores e agricultoras.
  7. Outro desafio que percebemos está relacionado com a ação dos extensionistas. Uma ATER participativa e adequada às realidades regionais necessita de outros conhecimentos, postura participativa e articulação interdisciplinar. Para este desafio educativo é demandado um profissional extensionista que consiga atuar para além das transmissões de saberes, de modo a conseguir se articular com outros campos do conhecimento, no caso específico, com aqueles que versam sobre as transformações da sociedade, da natureza, das comunidades e da realidade social.
  8. Defendemos uma extensão rural que possa envolver todos os públicos e segmentos do campo, independente da sua relação com o mercado. Ou seja, a extensão rural pública deve estar a serviço das mulheres e jovens rurais, da agricultura urbana e periurbana, dos agricultores familiares, assentados da reforma agrária, quilombolas, indígenas, pescadores e demais povos tradicionais do campo, promovendo processos de desenvolvimento, gerando renda, preservando o meio ambiente, garantindo acesso aos direitos sociais, saúde e lazer.
  9. Por fim, é necessário uma ATER com trabalho presencial e territorializada (ao contrário de uma ATER setorizada). Embora vivemos um momento de expansão das fronteiras digitais, a ATER deverá estar presente no campo, acompanhando presencialmente os processos de desenvolvimento rural, utilizando as ferramentas virtuais como complemento ao trabalho presencial.

Neste sentido, somente uma ATER pública fortalecida, ancorada num Sistema Pluralista e Descentralizado terá condições de dar conta de tamanho desafio.

(*) Adilson Roberto Bellé – Dr° em Extensão Rural/UFSM. Tutor da UFSM/INCRA; Alisson Vicente Zarnott – Professor da UFSM; Andréia Nunes Sá Brito – Professora da Unipampa, Campus Dom Pedrito; Arlindo Jesus Prestes de Lima – Professor da UFSM, Campus FW; Eduardo Jaehn – Eng. Agrônomo. Msc em Extensão Rural. Tutor UFSM/INCRA; Eduardo Miotto Fleck – doutorando em P. Públicas/UFRGS. Tutor UFSM/INCRA; Igor de Bearzi – Engenheiro Agrônomo e Extensionista Rural; Jacir João Chies – Engenheiro Agrônomo, Msc em Sistemas de Produção Agrícola Familiar, Coordenação do Instituto Educar; Juliano Ferreira de Sá – Gestor Ambiental, Mestre em Desenvolvimento Rural e atual Presidente do CONSEA-RS; Laila Garcia Marques – Engenheira Agrônoma, Mestre em Extensão Rural e Doutoranda em Extensão Rural/UFSM. Tutora da UFSM/INCRA; Mairo Trentin Piovesan – Engenheiro Agrônomo e Extensionista Rural; Pedro Selvino Neumann – Professor da UFSM; Régis Trentin Piovesan – Eng. Agrônomo. Msc em Extensão Rural. Tutor UFSM/INCRA; Vinicius Piccin Dalbianco – Professor da Unipampa, Campus Itaqui. Adesões e contribuições ao texto podem ser enviadas para: aterpublicaeparticipativa@gmail.com

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