Menu ASAE

O diagnóstico da Extensão Rural e Social no RS foi realizado, mas por onde passam as soluções?

 O diagnóstico da Extensão Rural e Social no RS foi realizado, mas por onde passam as soluções?

 Por Bernardi, L.E¹ e Stein, M.F.²

Em 2020 um grupo de trabalho com 26 colegas foi instituído por portaria da Emater/RS-Ascar, tendo como objetivo avaliar e propor aperfeiçoamentos nos processos internos, visando a modernização técnica na estrutura organizacional e nas relações com os beneficiários e entes públicos e privados. Produziu-se extenso e visceral relatório que até hoje não foi tornado público. Em 2021, a associação dos servidores (ASAE) realizou pesquisa de campo em que mais de um terço dos trabalhadores da instituição responderam, gerando relatório que foi compartilhado e publicizado. Ainda, em 2023, a associação conduziu o “Repensar da Emater: por uma ATERS Qualificada e Forte” a partir de um processo de escuta em todas as regiões e da realização de um evento estadual, divulgando qualificado relatório final. Faz-se referência a estas três elaborações, guardadas suas diferenças (o grupo de trabalho enquanto processo interno restrito e os dois outros enquanto processos abertos e participativos), dado que os resultados foram muito similares, ratificaram os pontos fortes da instituição e explicitaram-se as ausências e mazelas. 

Infelizmente tais apontamentos não induziram a que se tomassem medidas efetivas que buscassem a superação dos gargalos identificados. Sob a cortina de fumaça das “metas contratadas que efetivamente pagam o salário de vocês“, atualmente não existe espaço para além de manter ativa a correia de transmissão de metas descendentes, que cerceiam a possibilidade de um trabalho mais aprofundado e onde se abre mão do fazer e do protagonismo histórico da extensão rural junto ao seu público assistido, nas diferentes realidades acompanhadas. Agrava-se essa situação pela inexistência de espaços de diálogos internos e externos para refletir e orientar a atuação, mesmo que a lei que obriga a prestação deste serviço público, de direito constitucional, indique o contrário. Como disse a representação dos Movimentos Sociais na plenária final do Repensar: “…a nossa participação nos espaços de gestão é constrangida e não há espaço para debatermos os serviços públicos de ATERS que necessitamos”.


Agrava-se também a situação devido à falta de compromisso dos governos em recuperar o orçamento da Emater/Ascar, que possibilitaria a recomposição do quadro de empregados a níveis aceitáveis e adequação da estrutura material, onde existem carências significativas de suporte ao trabalho.

A Lei Nº 14245 de 29/05/2013, que criou a Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural e Social – ATERS- no Estado do Rio Grande do Sul, indicou com sabedoria os caminhos para o controle social ao definir em seu artigo 32º que “as diretrizes do PROATERS (Programa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural e Social) serão definidas e validadas periodicamente na Conferência Estadual de ATERS, que será organizada pelo Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável, em parceria com todos os setores envolvidos”. 

Pois bem, passados onze anos da instituição deste importante marco legal, qual razão faz com que tal premissa não seja exercitada? Entendemos que está no DNA de governos que defendem o “Estado mínimo” essa negação de qualquer processo dialógico que não seja vertical e de mando descendente, promovendo o enfraquecimento dos espaços institucionais, como os conselhos e fóruns de políticas públicas, e também das organizações da sociedade civil, que poderiam participar e ajudar a conduzir esses processos. 

Acompanhamos a sucessão de gestões desta relevante Instituição desde maio de 1990. Em alguns governos ela foi fortalecida, já em outros permaneceu estacionada e em outros ainda, partiu-se para o desmonte pesado que acolheu enfrentamento interno e externo. Na última década, houve um “apequenamento” demasiado, com recursos defasados quando se comparam os orçamentos existentes e que não foram corrigidos. Apequenou-se não só na capacidade operacional, dado a saída de mais de 800 profissionais qualificados de todos os níveis, mas também na fragilidade das próprias gestões, que esvaziadas em suas capacidades de formulação para as necessidades da extensão e do desenvolvimento rural e enfraquecidas no campo da articulação política com os respectivos governos, evidenciam crescente tendência de atuação como mera correia de transmissão. Os resultados desta última década estão explícitos nos documentos inicialmente referenciados neste texto, que se encontram ancorados em alguma gaveta do 6° andar do Escritório Central,  intocáveis frente aos gestores que se sucedem na gestão da eterna emergência sem foco estratégico definido, como nunca se viu em uma instituição com a grandeza e relevância da Emater RS. Já dizia um Senhor extensionista, colega da Emater já falecido infelizmente, referindo-se à história e grandeza política dos distintos gestores indicados, tidos e havidos que: “dirigente forte, Emater Forte”.


Zacheu Gomes Canela vive em nossas lembranças, nos tempos atuais em que isso não acontece. Esta referência decorria de que a força diretiva avaliada na sua história, alicerçava-se na indicação direta dos governos como fruto de uma sinalização de reconhecimento e fortalecimento efetivo ou, apenas como assentamento e rateio de espaços de poder da base de apoio que o elegera.Fruto desse “apequenamento” da instituição e apesar do esforço do quadro de empregados, muitas vezes sobre humano, diminuíram na última década os indicadores quantitativos de abrangência e também de formas de ação, observados quando se analisa o conjunto das metodologias empregadas. No quadro abaixo apresentamos comparativamente alguns indicadores de ações de ATERS realizados nesta última década, com a abrangência em termos de famílias assistidas e o número de trabalhadores vinculados a Ascar.

Estes dados foram retirados dos relatórios públicos disponíveis no site da Emater/RS-Ascar. É possível perceber, mediante análise rápida, que do ponto de vista do alcance dos serviços de extensão rural ocorreu uma redução de 12% das famílias assistidas no período, ante uma redução de 33% do número de trabalhadores da Instituição. Evidencia-se o esforço das unidades locais  para atender o público apesar da redução dos extensionistas rurais, muitas vezes às custas do adoecimento deles. O esvaziamento da força de trabalho em todos os níveis, reduziu drasticamente os indicadores de ações realizadas, dando perceptível materialidade para uma menor presença de extensionistas junto a estas famílias e comunidades assistidas, quer seja através de visitas, dias de campo, DRPs, capacitações, DMs, palestras, mutirões e outras metodologias de trabalho.

Fonte: Relatórios Institucionais de Atividades 2013 e 2023, adaptado pelos autores.
https://www.emater.tche.br/site/arquivos/relatorio-institucional/relatorio_de_atividades_2023.pdf https://www.emater.tche.br/site/arquivos/relatorio-institucional/RELATORIO%20DE%20ATIVIDADES_2013.pdf

A ideia chave é de que não se faz extensão e desenvolvimento rural a contento sem uma estrutura adequada de recursos humanos e materiais, com pessoas motivadas e não sobrecarregadas, aptas a trabalharem processos estratégicos mais complexos do que apenas o atendimento das demandas do dia a dia, exigência essa cada vez maior face aos cenários atuais. Ressalta-se que que este dia a dia das demandas é muito importante e alguém tem que fazer, mas andorinha sozinha não faz verão e colegas sobrecarregados não tem varinha de condão para fazer tudo e ainda constituírem-se enquanto estrategistas do desenvolvimento rural local. Esta é a realidade da maioria dos escritórios municipais, regionais e também do escritório central, tornando a instituição vulnerável pela redução dos resultados qualitativos e de referência, enquanto paradoxalmente, por outro lado há uma necessidade muito grande das ações da Emater em todos os setores do meio rural. Os dados do IBGE indicam essa necessidade, ao revelar um  percentual muito alto de agricultores que declaram que não recebem assistência técnica, sendo esse apenas um dos aspectos que a extensão rural trabalha, ao lado de tantos outros que promovem a melhoria de vida das famílias rurais e o desenvolvimento dos municípios, regiões e do estado do RS.

Finalizamos com as questões fundamentais para quem tem compromisso com o trabalho, com a instituição e para com o público beneficiário: extensão rural para quê e para quem?       Questão clássica essa colocada desde a realização do pré-serviço quando do ingresso na Instituição de E.R em 1990. Essa resposta está a cargo dos extensionistas rurais que atendem os agricultores/agricultoras e os públicos tradicionais de indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e assentamentos da reforma agrária, nos 497 municípios do RS.  Estas famílias compartilham cotidianamente seus sonhos e necessidades demandando suporte qualificado e continuado para o seu desenvolvimento econômico/produtivo, de saúde, educação, lazer, organização e bem estar social, buscando a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável. O quadro acima indica que estamos fazendo o possível, mas que o necessário está se distanciando, atropelado pelo apequenamento da capacidade operacional da Instituição.

Mas as respostas devem ser buscadas em concertação com a sociedade, e para isso precisamos de governos que se conectem com a mesma e se afastem da concepção do estado mínimo. Ainda mantemos a referência da nossa Missão de promover o desenvolvimento rural sustentável. Quanto às elaborações realizadas nos diagnósticos, que indicam expectativas dos trabalhadores em relação ao futuro da Instituição, há que nos posicionarmos para que as gavetas sejam abertas e trabalhem de fato para o fortalecimento da extensão rural. Há que se disputar a Instituição que queremos e sabemos que pode muito mais.  


Porto Alegre, 05 de dezembro de 2024.

A propósito, segue link de acesso a Lei Nº 14245 de 29/05/2013 (conquista): https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=254888

  1. BERNARDI, Lauro. Edilso. Engenheiro agrônomo, extensionistas rural na Emater/RS- Ascar, Ms. Ext. Rural UFSM.
  2. STEIN, Mauro Fernando. Engenheiro agrônomo, extensionistas rural aposentado na Emater/RS-Ascar, Ms Desenv. Rural UFRGS.