Fundamentação jurídica constitucional e de princípios do direito público: o caso da Ascar/Emater

TEMA: A Ilegalidade e Inconstitucionalidade do Modelo de Controle por Metas Quantitativas Aplicado à Política de Extensão Rural do Rio Grande do Sul.
TESE CENTRAL: A exigência da Contadoria e Auditoria-Geral do Estado (CAGE) de condicionar o financiamento da ASCAR/EMATER a um contrato de “venda de metas” é um ato antijurídico que viola a Constituição Estadual, a legislação específica e os princípios estruturantes do Direito Público. A natureza da Extensão Rural como um dever permanente do Estado impõe um modelo de financiamento por dotação orçamentária assegurada, e não por pagamento condicional.
- O FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL: O DEVER PERMANENTE DO ESTADO.
O pilar de toda a argumentação reside no Art. 171 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que afirma “O Estado manterá serviço de extensão rural”. A escolha do verbo “manter” estabelece uma obrigação contínua, um dever permanente. Isso significa, via de regra, que a Extensão Rural não é uma política de governo opcional, mas uma política de Estado compulsória.
- Princípio da Supremacia da Constituição: Nenhum ato administrativo ou normativo de hierarquia inferior, como um contrato de gestão ou uma instrução da CAGE, pode se sobrepor ou contradizer este mandamento constitucional. O ato de controle deve se adequar à Constituição, e não o contrário.
- Consequência Direta: Se o Estado tem o dever de “manter” o serviço, o orçamento destinado a ele não é um “pagamento”, mas a dotação de recursos necessária para o cumprimento de uma obrigação constitucional. O repasse deveria ser, por natureza, automático e vinculado à dotação orçamentária aprovada.
- O FUNDAMENTO LEGAL: A NATUREZA DO SERVIÇO E A VALIDAÇÃO DA EXECUTORA.
A legislação infraconstitucional detalha e reforça o mandamento superior:
- Lei Estadual nº 15.352/2019 (PEATERS): Esta lei é crucial por duas razões:
- Valida a Executora: Em seu Art. 10, designa a ASCAR/EMATER como a instituição oficial para a execução da ATERS. Isso a estabelece como o braço operacional do Estado para essa finalidade, não como uma empresa externa competindo por um contrato.
- Define a Natureza do Serviço: Estabelece objetivos complexos como “desenvolvimento sustentável” e “melhoria da qualidade de vida”, incompatíveis com uma avaliação meramente quantitativa.
- Lei Federal nº 12.188/2010 (PNATER): Define a Extensão Rural como um ato educacional não formal, gratuito, holístico e multidisciplinar. Esta definição legal nacional proíbe, em sua essência, uma abordagem fabril de “produção de metas”.
III. A VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO DIREITO PÚBLICO.
O modelo da CAGE não viola apenas artigos de lei, mas toda a lógica do Direito Público:
- Princípio da Legalidade e Finalidade: O ato de controle da CAGE desvia a finalidade da política pública. Em vez de buscar o desenvolvimento rural (fim legal), ele força a a ASCAR/EMATER buscar o cumprimento de metas (fim burocrático), tornando-se um fim em si mesmo.
- Princípio da Razoabilidade e Proporcionalidade: O meio utilizado (metas quantitativas) é inadequado e desproporcional para o fim pretendido (avaliar um processo educacional complexo). É como medir a qualidade de uma sinfonia pelo número de notas tocadas.
- Princípio da Eficiência: O modelo promove uma falsa eficiência (eficiência burocrática) em detrimento da eficiência real (impacto social, econômico, ambiental e cultural). Um serviço engessado e focado em números é, por definição, ineficiente em sua missão constitucional. As planilhas e números são instrumento para o trabalho: não o seu fim.
- CONCLUSÃO LÓGICA E IRREFUTÁVEL
A conjugação dos fatos e fundamentos leva a uma conclusão inequívoca:
Uma vez que a existência do serviço de Extensão Rural está garantida na Constituição como um dever permanente do Estado, e sua atuação deve obediência aos princípios do Direito Público e à sua natureza de ato educacional informal definida em lei, sua natureza pública é inquestionável. Como consequência direta e necessária, o serviço deve ter seu devido orçamento assegurado por dotação, e não condicionado a um modelo comercial de “venda de metas” que é, em sua essência, inconstitucional, ilegal e antijurídico.
A revisão do modelo de financiamento e controle não é, portanto, uma questão de escolha política ou de conveniência administrativa. É uma medida imperativa para restaurar a legalidade e garantir que o Estado do Rio Grande do Sul cumpra suas obrigações constitucionais para com a população rural.
Antônio Cesar Perin – Eng. Agrônomo EMATER
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