Reposicionamento do Modelo de ATER na Emater/RS-Ascar

 Reposicionamento do Modelo de ATER na Emater/RS-Ascar

Por Leandro Ebert e João Carlos Reginato (*)

Em diversos períodos, a EMATER/RS enfrentou crises devido especialmente a dificuldades financeiras do Estado, o que reduziu significativamente as contribuições para a instituição. Isso ocorreu sempre, apesar dos impactos da sua atuação e da sua relevância para a sociedade gaúcha. Essa redução, no entanto, vem consequentemente afetando a capacidade de atuação da EMATER/RS junto às famílias rurais no campo, diminuindo o tamanho da instituição. 

Para tentar driblar essa perda de capacidade, a EMATER/RS vem buscando formas de conseguir atender às demandas da sociedade, do público assistido e dos governos que passam das formas que consegue. Dessa forma, a atuação da EMATER/RS-ASCAR passou por diferentes fases considerando os contextos históricos da produção agropecuária gaúcha, brasileira e mundial. Em todas essas fases, a EMATER/RS teve seu direcionamento voltado aos problemas do contexto em que atuava. Como exemplos, podem ser citados o período difusionista de promoção da “Revolução Verde”, os períodos de maior participação no crédito rural orientado, também de execução de políticas públicas, ou voltados à produção agroecológica e com uso de metodologias participativas. Isso sempre ocorreu, visando acompanhar as mudanças e a evolução das necessidades das famílias do campo no Rio Grande do Sul.

Nos últimos anos, sob forte influência ideológica ou política e com a complexidade dos sistemas agrários, o trabalho da ATER oficial do RS tem sido orientado a atuar nos mais diferentes segmentos e atender a todas essas demandas ao mesmo tempo. Nessa busca, acaba por aumentar a sua abrangência de atuação, ao ir somando as demandas que chegam à instituição às que já tinha antes. O que resulta na busca por aumento do número de famílias assistidas e, no número de atividades que executa, mesmo com menos recursos e pessoas.

Nesse sentido, propostas de ampliação de execução de políticas públicas, como por exemplo, de ampliar o número de famílias atendidas, de projetos de crédito realizados, ou de assumir novas funções e prestação de serviços, (como de correspondente bancário-COBAN, elaboração de CAR, Siout, CAF em substituição às DAP’s, etc.) vão sendo incorporadas ao trabalho já realizado.

Ao mesmo tempo, surgem programas de assistência técnica mais individualizada e especializada nas propriedades nas principais matrizes produtivas agropecuárias do RS, (como exemplos, as Chamadas Públicas específicas para determinadas atividades, o Programa Gestão Sustentável na Agricultura Familiar), buscando tornar a atuação da EMATER/RS mais específica de assistência técnica focada no desenvolvimento dessas atividades junto às famílias e comunidades.

Além disso, Políticas Públicas surgem intempestivamente de forma verticalizada, como demandas esporádicas e emergenciais, a exemplo do Programa Avançar, os FEAPER’s, ou mesmo políticas já consolidadas como o Proagro. Tudo sempre tratado como prioridade institucional. Com isso, o número de famílias, projetos e programas prioritários a serem executados pela entidade vai se elevando, sem que haja aumento de investimentos ou de pessoal, em uma tentativa ilógica de “fazer mais com menos”. 

O problema que discorre desse processo é que, quando muitas ações passam a ser prioritárias, na verdade se passa a não se ter nenhuma prioridade. Com isso, para aumentar a atuação em determinadas linhas, acaba-se prejudicando outras que passam a não ter tanto tempo e recursos dispensados em sua execução. 

Paralelamente, no ambiente externo à Emater/RS-Ascar, estamos assistindo uma proliferação de propostas que preconizam atender cerca de 30 famílias por município em atividades específicas e bem definidas, o que nos remeteria a cerca de 15 mil famílias no Estado, sendo o recurso previsto oriundo de parcela do Funrural. Essa proposta aparece como alternativa ao modelo atual de ATER, elaborada para atender parte dos anseios da sociedade gaúcha que busca por uma assistência técnica efetiva dentro das propriedades, de forma individualizada, em contraste ao trabalho de articulação e execução de políticas públicas executado pela ATER oficial. Ressalta-se que, essa proposta é apresentada para municípios, entidades, comunidades e famílias, como um novo modelo de ATER, que seria uma solução para o desenvolvimento do meio rural nos dias atuais.

Entretanto, vale lembrar que, as propostas não são necessariamente concorrentes e, podem, inclusive, ser complementares à atuação da EMATER/RS, visto que possuem naturezas distintas, com duração e objetivos diferentes, apesar de, em muitas das vezes atenderem ao mesmo público. Ocorre que, sem um posicionamento claro, abre-se margem para uma confusão entre o papel da Extensão Rural Oficial e a função dessas ações específicas de outras empresas ou instituições, o que prejudica também a imagem institucional da EMATER/RS e, por vezes, a coloca em situações delicadas nos municípios pelo entendimento equivocado de se tratar de concorrência.

Reposicionamento técnico da EMATER/RS

Consideramos que, hoje a Extensão Rural oficial precisa passar por um processo de reavaliação, definindo um posicionamento claro do modelo de ATER a ser oferecido à população rural, priorizando ações nas linhas pré-estabelecidas, visando atender às necessidades da sociedade gaúcha e promover o desenvolvimento rural, de forma integrada ao cenário e contexto da produção agropecuária atual, minimizando a influência política partidária ou ideológica. 

O grande desafio é estruturar um modelo de ATER que atenda a todos esses anseios. Que permita que a EMATER/RS-ASCAR permaneça como referência e execução de políticas públicas e prestação de serviços técnicos, mas, que reassuma o protagonismo nas ações de ATERS visando o desenvolvimento das principais cadeias produtivas da agricultura familiar dos municípios e do RS. 

É nesse sentido que, além da recomposição dos investimentos na instituição e do quadro de profissionais que a EMATER/RS dispõe (o que é essencial para quebrar esse ciclo vicioso), seja definida uma estratégia de atuação, um modelo de ATER. Com um posicionamento claro e bem definido, orientando a atuação da entidade e suas linhas de trabalho, a atuação da EMATER/RS-ASCAR pode ser continuada de forma qualificada e objetiva, entregando mais resultados e continuando a contribuir ativamente para o desenvolvimento rural gaúcho.

A atuação da EMATER/RS acontece nos municípios, nas comunidades, nas propriedades com famílias. A EMATER possui conhecimento das mais diferentes realidades locais gaúchas, além de contar com o saber técnico-científico de seus profissionais. Soma-se a isso, o domínio de uma “linguagem extensionista”, que traduz o conhecimento técnico-científico para aplicação prática nos mais distintos sistemas agrários.

Em vez de procurar atender a todas as demandas que se impõe na nova realidade, sugere-se que a Extensão Rural seja promotora dessa nova realidade, institucionalizando a proatividade que já ocorre isoladamente ou de forma desorganizada nos municípios, assumindo uma nova postura institucional, provocando as transformações em todos os níveis, desde a propriedade rural, no interior até a formulação de políticas públicas. Não apenas executando metas ou reagindo às transformações da sociedade e da agricultura familiar, mas sendo proativa para que as transformações ocorram. Uma mudança conceitual, mas com um grande impacto operacional, para que se ela realmente se efetive.

Para isso, o primeiro ponto é a necessidade de rever a questão da abrangência das ações. Os planejamentos devem ser realizados considerando as diferentes realidades locais, com foco de atuação em atividades estratégicas onde os esforços, o tempo e os recursos serão direcionados e, não buscando sempre maior público, mais serviços e mais atividades executadas. O número de famílias, de serviços ou de atividades deve ser consequência da estratégia de ATER e não o objetivo.

Esse planejamento pode ser orientado institucionalmente para que as principais atividades agropecuárias que ocorrem nas diferentes bacias de produção da agricultura familiar do RS sejam estratégicas para a EMATER/RS e, estejam priorizadas para atuação nos municípios onde são relevantes. Nesse sentido, o objetivo passa a ser o desenvolvimento local. Porém, esse planejamento não pode ser realizado de forma vertical, com os municípios assumindo metas e ações previamente definidas hierarquicamente. As ações de campo planejadas nos municípios, considerando as realidades locais, são as que devem ser incorporadas ao planejamento institucional. 

A Emater/RS-Ascar possui e gera profissionais de referência em todas essas áreas, com conhecimento técnico específico da realidade local daquela atividade, o que pode e deve ser usado para qualificar o planejamento institucional a partir da base, orientando as metodologias de atuação da ATER no campo nas distintas realidades do RS. Com esse tipo de posicionamento, será possível gerar famílias que sejam realmente assistidas pela extensão rural em propriedades que sirvam de Referência Técnica para desenvolvimento local, para além do número de famílias que são apenas atendidas em toda e qualquer ação realizada pela instituição.

Ao mesmo tempo, as políticas públicas e os serviços que a EMATER/RS executa ou presta, devem ser condizentes ao planejamento no campo e, devem integrá-lo, complementando ou contribuindo com as ações priorizadas, pela definição do foco institucional. 

Não é possível que uma instituição que tenha um planejamento organizado, claro e bem definido, absorva demandas intempestivas, com prazos apertados e construídas sem considerar as demandas locais levantadas pelos extensionistas. Isso acaba comprometendo todo o planejamento antes realizado, para que se possa, simplesmente, cumprir as demandas recebidas, sem que, necessariamente, haja um posicionamento estratégico com o trabalho já realizado localmente pela extensão rural. Por isso, é que, a proposta é de que a EMATER/RS seja propositiva na construção e articulação de políticas públicas, vinculadas às demandas locais das diferentes realidades do rural e das atividades agropecuárias pelo RS, utilizando como referência, o planejamento construído dentro da instituição, a partir da base, junto do público e parceiros.

Com mudanças como estas, será possível fazer com que a EMATER/RS retome o protagonismo e passe a atuar efetivamente nessas cadeias produtivas e assuma novamente esse papel que sempre foi dela, além de não ser apenas executor de políticas públicas e prestador de serviços, mas, que execute e atue também na construção deles. 

(*) Leandro Ebert e João Carlos Reginato são engenheiros agrônomos e extensionistas rurais na Emater/RS-Ascar.

ASAE

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