Feiras Livres e Moedas Cidadãs: uma combinação em favor da Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional e da (re)estruturação dos Circuitos Curtos de Comercialização*

 Feiras Livres e Moedas Cidadãs: uma combinação em favor da Segurança e Soberania Alimentar e Nutricional e da (re)estruturação dos Circuitos Curtos de Comercialização*

Por Marcos Cesar Pandolfo e Flavio Vogt **

As experiências conduzidas pelo Estado Brasileiro no combate à fome, na primeira década até meados da segunda década deste século demonstraram uma relação sinérgica entre a agricultura familiar e a segurança alimentar e nutricional, com resultados promissores tanto para as famílias rurais quanto para as urbanas, onde os Circuitos Curtos de Comercialização (CCCs) têm um papel fundamental no abastecimento local de alimentos.

Nesse sentido, dentre os CCCs destacam-se as Feiras Livres da Agricultura Familiar como laboratórios de criação de políticas públicas municipais com ênfase, recentemente, para a criação de programas municipais de Vale Feira, que buscam, entre outros objetivos, auxiliar no abastecimento alimentar de famílias em situação de vulnerabilidade social e induzem compras de funcionários públicos.

De um modo geral, com base nas experiências identificadas é possível, tipificar o Vale Feira em três formas de destinação: para funcionários públicos, distinguido em duas modalidades; associado à Política de Resíduos Sólidos, também distinguido em duas modalidades e; para famílias em vulnerabilidade social, com apenas uma modalidade.

As modalidades se distinguem entre o fornecimento de uma cesta de alimentos adquiridos dos agricultores ou fornecimento de um “vale” para aquisição de alimentos na Feira, no caso dos servidores públicos (exemplos: Tenente Portela-RS e Lauro Muller-SC); o fornecimento de um “vale” às famílias cadastradas e que realizam a separação do lixo seco ou entrega do lixo orgânico para aquisição de alimentos na Feira (exemplos: Pinhão-PR, Santiago-RS); o fornecimento de um “vale” para famílias em vulnerabilidade social para aquisição de alimentos na Feira (exemplo; São Jose do Herval-RS).

O elemento inovador nestas estratégias é o uso do que se conhece como “moedas cidadãs”, pois, o Vale Feira ao funcionar como um instrumento de incentivo monetário (e educativo) que permite, estimula e orienta para o acesso à Feira, – onde, essencialmente, os produtos disponíveis são verduras, legumes, frutas e produtos transformados da agricultura familiar – tende a contribuir com a Segurança Alimentar e Nutricional dos consumidores.

Do lado da oferta, o Vale Feira, ao funcionar como uma garantia e estabilidade das vendas dos feirantes, pode contribuir para um melhor planejamento da produção e, principalmente, para uma garantia de renda aos agricultores. Além disso, ao ser implementado como uma política pública municipal e possuir características de moeda cidadã, o Vale Feira pode contribuir para a formação de consciência coletiva sobre a importância do abastecimento alimentar local e da criação de um circuito econômico comunitário.

Desse modo, sustenta-se que o Vale Feira, enquanto moeda cidadã, além de fortalecer, funciona como um instrumento de aprendizagem coletiva para a (re)estruturação dos CCCs, estimulando ainda a criação de uma consciência coletiva para o consumo consciente e responsável, pois quando didaticamente utilizadas, as moedas cidadãs possuem papéis a cumprir, ultrapassando e superando os benefícios estritamente econômicos.

Ainda, as experiências de Vale Feira demonstram que tanto na sua criação quanto na sua execução é bastante flexível e adaptável de acordo com a realidade e a criatividade dos atores locais. No entanto, sempre indispensável as existência de instância de controle social, a exemplo do Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional.

O que parece ficar evidente é o papel educativo que o Vale Feira, enquanto moeda cidadã, pode exercer, desde as ações de condicionalidades e contrapartidas que podem ser estabelecidas e conduzidas com propósitos (re)educativos à uma (re)conexão entre campo e cidade, rural e urbano, produtor e consumidor ao dinamizar as trocas num circuito econômico comunitário e assim estimular e favorecer a “economia real”.

No entanto, há ainda grandes desafios que precisam ser pontuados e um deles trata-se da questão orçamentária, especialmente dos pequenos municípios, que na sua maioria devido à baixa arrecadação, são dependentes de repasses dos governos estaduais e federal, dificultando assim a criação de despesas com recursos próprios. Assim, uma alternativa que se apresenta é a conversão parcial ou total de programas federais e estaduais de transferência em moeda cidadã.

Há também limitações e desafios políticos e técnicos que criam obstáculos para um planejamento eficaz dos sistemas alimentares em nível local, pois, de acordo com a FAO “há um enorme desconhecimento de como funcionam os sistemas alimentares e a margem de manobra que os governos locais têm para transformar os sistemas alimentares de sua jurisdição”.

Por fim, notam-se outros dois grandes desafios do Vale Feira, o papel e a capacidade da ATERS em responder a essa demanda técnica e organizativa e a replicação e operacionalização da experiência em médias e grandes cidades. Para ambos os desafios, demandam de um aprofundamento sobre a necessidade de (re)pensar a (re)organização dos sistemas alimentares nos territórios, onde há a necessidade de um Estado forte e atuante com investimento em ATERS e onde as experiências e o aprendizado com o PNAE e com o PAA podem contribuir muito.

*Este artigo é um pequeno recorte de capítulos das dissertação de Mestrado “Estratégias de Política Pública Municipal de Segurança e Soberania Alimentar: estudo das contribuições, impactos e limitações do Vale Verde no município de São Jose do Herval (RS)” do mestrando em Estado, Governo e Políticas Públicas pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, Marcos Cesar Pandolfo.

** Marcos Cesar Pandolfo é Bacharel em Desenvolvimento Rural e Flavio Vogt é Sociólogo. Ambos são extensionistas rurais na Emater/RS-Ascar.

ASAE

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