O extensionista rural e a cidadania
Por Robson Becker Loeck, Vera Terezinha Carvalho da Silva e Marines Rosali Bock (*)
Nos corredores da Emater/RS-Ascar o assunto não é novo e, claro, gerador de muitas controvérsias. Ele, de alguma forma, está “sempre lá”, presente no dia a dia de trabalho. Aflora, mais ou menos, a partir das posturas adotadas por dirigentes e gestores públicos a cada eleição estadual ou municipal.
O assédio moral é quase sempre velado e de difícil comprovação, mas se torna mais visível quando um trabalhador é retirado, sem motivo e sem o seu consentimento, do seu local de trabalho por meio de uma transferência.
Na Emater/RS-Ascar, a decisão de transferir advém de motivações internas e externas, respectivamente, dos seus diretores e gerentes ou oriundas de “pressões” realizadas por prefeitos e secretários. Quando inexiste quaisquer deficiências técnicas nas atividades realizadas por um extensionista rural, e mesmo assim uma transferência é proposta e efetivada, ela ganha somente um contorno: vontade política de quem a propõe.
Numa sociedade e instituição democrática, tal prática, caso ocorra, precisa ser combatida, pois trabalhar em um ambiente organizacional que não coíba a perseguição política torna muito difícil e, até mesmo, um ato de coragem, o exercício da cidadania. Nesse sentido, não é raro, seja lá com que intenções, os extensionistas rurais escutarem discursos de que precisam “se dar bem” com o prefeito e com o seu secretariado, tendo em vista a relação contratual entre a Emater/RS-Ascar e o município, ficando nítida a existência de uma naturalizada cultura organizacional baseada na dependência de uma relação desigual de poder.
Cabe destacar que, se há algo que precisa existir numa sociedade democrática, esse algo são as relações respeitosas. Contudo, há que se diferenciar muito bem relações de parceria e respeitosas de relações de submissão. Há que se saber e considerar que os prefeitos possuem a legitimidade das urnas e precisam ser respeitados. Dá mesma forma, os secretários empossados, pois legitimamente foram indicados pelos prefeitos. No entanto, prefeitos e secretários não podem fazer o que bem entendem, devendo também nutrir respeito às instituições, sejam elas públicas ou privadas.
Assim, além do convívio respeitoso da Emater/RS-Ascar com a gestão municipal, se faz necessário que o profissional extensionista rural também seja respeitado, pois exerce as suas funções não devido a “um favor” de alguém, mas ao fato de ter se submetido e sido aprovado em uma seleção pública. Então, não é aceitável que o discurso de “se dar bem” com o prefeito seja utilizado no sentido de que o extensionista rural tenha que “negar” as suas convicções políticas ou preferências partidárias para continuar a exercer suas funções – que são técnicas – no município.
A contradição desse tipo de discurso, que pode passar despercebida até mesmo por quem o pratica, é não considerar que o prefeito só se tornou prefeito por ser filiado e defender um partido político. Da mesma forma, os secretários só foram alçados ao cargo por estarem vinculados ou serem indicados por algum partido político. E, na própria Emater/RS-Ascar, os diretores indicados pelo governo do estado e os trabalhadores que exercem função de chefia – os responsáveis pelas transferências -, só ocupam o cargo por serem indicados ou terem vínculos com uma agremiação partidária.
Seria justo, então, somente os extensionistas rurais terem que abdicar de externar suas preferências político-partidárias para “manter o emprego”? Numa sociedade realmente democrática, a resposta é um absoluto não!
Exercer a cidadania é um direto de todos, de quem ocupa ou não cargo eletivo e de confiança. Ninguém pode ser desestimulado, seja por qual razão for, de manifestar opiniões e posições políticas, pois isso é um direito elementar para o bom funcionamento da democracia. Antes de serem profissionais que atuam na extensão rural, os extensionistas rurais são cidadãos e precisam ter garantido o direito da livre manifestação política fora do ambiente de trabalho.
Qualquer coisa que caminhe em direção oposta precisa ser estancada e repensada, pois a extensão rural e os extensionistas rurais não podem ficar reféns de interesses políticos particulares e locais, ainda mais, levando-se em consideração que o desenvolvimento rural, diferentemente de um mandato de quatro anos, exige um complexo e longitudinal caminho.
(*) Robson Becker Loeck é extensionista rural, secretário da ASAE, ex-membro eleito da CIPA e ex-vice-presidente da AESR. Vera Terezinha Carvalho da Silva é extensionista rural e ex-presidente da AESR. Marines Rosali Bock é extensionista rural e presidente da ASAE.