Jornalista Marcelo Canellas homenageia seu pai, Zacheu Canellas

 Jornalista Marcelo Canellas homenageia seu pai, Zacheu Canellas

O jornalista Marcelo Canellas escreveu um emocionante artigo em homenagem ao seu pai, Zacheu Canellas, que foi presidente da ASAE e um dos profissionais mais respeitados da extensão rural no RS.

Durante mais de 40 anos, Zacheu foi extensionista da Emater/RS-Ascar, ocupando diversos cargos na instituição. Trabalhou por 25 anos no Escritório Regional da Emater/RS-Ascar de Santa Maria.

Dotado de humor cativante, profissional de talento diferenciado, foi autor obra literária “Abrindo a Porteira – Uma Memória da extensão rural no Rio Grande do Sul”, publicado na Feira do Livro de 2011, em Santa Maria.

O filho, Marcelo Canellas, inicialmente iria seguir os passos do pai e se tornar Engenheiro Agrônomo. Mas desistiu e enveredou para o jornalismo, curso no qual se formou pela Universidade Federal de Santa Maria. Chegou ao topo da carreira no jornalismo da TV Globo, para orgulho de sua família. Têm diversas participações nos principais programas jornalísticos da emissora, como o Jornal Nacional e o Globo Repórter.

Marcelo Canellas recebeu três vezes o Prêmio Nuevo Periodismo, oferecido pela Fundação Nuevo Periodismo Ibero-americano (FNPI) em parceria com a empresa mexicana Cemex. Em 2002, foi premiado pela série Geografia da Fome. Em 2005, sua reportagem sobre o Cerrado, exibida no Jornal Nacional, foi a vencedora na categoria Telejornalismo. Três anos depois, a série Terra do Meio: Brasil invisível, exibida no Bom dia Brasil, ganhou na categoria Sustentabilidade.

Leia o artigo:

ZACHEU GOMES CANELLAS
(Gravataí, 19/05/1935 – Santa Maria, 28/06/2018)

A esta hora meu pai deve estar rindo à beça do voo desengonçado do anjo Malaquias, aquele a quem Nossa Senhora, devido a uma operação de urgência para salvá-lo das garras de um ogro, fez nascer-lhe apressadamente as asinhas na bunda. Ou então deve estar pulando amarelinha na porta do céu só para provocar as freiras que o ameaçavam na infância com as chamas do inferno por causa de uma ou outra traquinagem como, por exemplo, virar as fatias de pão na mesa do refeitório da escola com a geleia para baixo. Ou deve estar arrancando um meio-sorriso de Deus com alguma tirada espirituosa sobre o sexo das anjas.

Quando eu soube do agravamento de sua doença, interrompi meu trabalho de cobertura da Copa do Mundo da Rússia. Durante a longa viagem que fiz de Moscou a Santa Maria, onde vivi o momento purificador em que pudemos chorar juntos num abraço de despedida junto à cama do hospital, tive, antes de chegar, tempo suficiente para entender o quanto o bom-humor com que meu pai levou seus 83 anos de vida iluminou todos os que tiveram o privilégio de conviver com ele. A leveza e a suavidade com que enfrentava os mais embaraçosos desafios, inclusive o golpe traiçoeiro e violento da morte, lhe deu uma dose cavalar de coragem para manter intocada a altivez e a dignidade como marcas pessoais.

Meu pai dedicou sua vida a sua família e aos seus amigos, mas também a um ideal que germinava da terra. Como agrônomo extensionista, doou toda a força de sua energia àqueles que acreditava serem , por merecimento e vocação, os grandes artífices de uma nova era de justiça fundiária produtora de saúde e fartura: os índios, os colonos sem terra, os assentados, os agricultores familiares e todos os espoliados de um modelo econômico excludente e concentrador.

Eu, minha mãe, meus irmãos, meus filhos e sobrinhos, toda a família, seus amigos, parceiros e camaradas, somos todos gratos por tantos anos inspiradores de convivência. E sendo como ele é, sei que quebraria o gelo da tristeza com uma anedota qualquer: sabe a última do Zacheu? Sei, pai. A última do Zacheu foi partir fazendo morada em nossos corações.

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