A sociologia no dia a dia da extensão rural
A profissão de Sociólogo em território nacional foi oficialmente reconhecida quando da promulgação da Lei nº 6.888, de 10 de dezembro de 1980, posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 89.531. Nele, entre outros, consta que o exercício profissional é assegurado aos bacharéis em Sociologia, Sociologia e Política ou Ciências Sociais.
A maioria dos profissionais, atualmente, advém do Curso de Ciências Sociais, no qual são ofertadas várias disciplinas (economia, estatística, geografia, história e outras), mas há prevalência nos estudos de metodologia de pesquisa, antropologia, ciência política e sociologia durante os anos de formação.
Quanto à extensão rural, ao menos na oficial realizada pela Emater/RS-Ascar no Rio Grande do Sul, a atuação de um maior número de sociólogos em campo passou a ocorrer a partir de 2011, somando-se aos demais profissionais que dela fazem parte a mais tempo, como os agrônomos, os técnicos agrícolas e os veterinários. Entretanto, tal fato deve ter despertado uma oportuna pergunta: mas o que fazem os sociólogos? Oportuna visto que a sociologia ainda é novidade e desconhecida nos diversos públicos assessorados, como também o é no dia a dia da própria extensão rural.
Ainda que de modo generalista, pode-se lançar mão do referido Decreto para responder a pergunta. Lá, em um dos artigos, consta que são atribuições do sociólogo: elaborar, supervisionar, orientar, coordenar, planejar, programar, implantar, controlar, dirigir, executar, analisar ou avaliar estudos, trabalhos, pesquisas, planos, programas e projetos atinentes à realidade social.
Atento, o leitor agora deve estar fazendo uma outra indagação: mas não podem os profissionais das ciências agrárias realizarem tais atribuições? Bom, diz um ditado esportivo que todo mundo é técnico e sabe qual a melhor escalação do seu time. Como todos nós fazemos parte da sociedade e vivenciamos os “problemas” sociais e políticos, é normal que acabemos tendo opiniões sobre eles. Assim, mesmo sem a devida formação acadêmica, muitas pessoas acabam se portando como um sociólogo em potencial. Parte do Manual Compacto de Sociologia, de Ana Vasconcelos, é esclarecedor a esse respeito:
“Certamente, a maior parte dos seres humanos pode opinar ou ter uma ideia constituída acerca da sociedade em que vive; contudo, por não ser especialista, essas opiniões são meramente superficiais, pois tais pessoas não são treinadas para observar e analisar tecnicamente a sociedade.
É necessário ter conhecimento teórico para se analisar as relações sociais; ou seja, é vital ter conhecimento sobre o assunto para, desse modo, compreendê-lo e interpretá-lo.
Dessa forma, não é possível a um leigo nesse assunto apresentar uma observação cientificamente segura. Certamente, a forma de observar a realidade social e compreendê-la não é uniforme e igual para todas as pessoas. Um sociólogo, ao observar a sociedade, está treinado para fazer uma abordagem da sociedade levando em consideração os grupos étnicos, a divisão da sociedade em classes sociais, as diversas crenças religiosas, a linha de pobreza e várias outras questões sociais. Desse modo, suas observações e considerações tem o objetivo de proporcionar um melhor entendimento da sociedade e da relação do ser humano com o seu semelhante.”
Todos nós, participantes da sociedade, possuímos uma compreensão prévia do mundo, uma espécie de “senso comum”, a partir do qual conhecemos, interpretamos e agimos cotidianamente. Nem mesmo o sociólogo “escapa” disso, entretanto, a sua formação acadêmica capacita-o a “treinar” o olhar, distanciando-se de sua visão inicial, e a trazer à tona aspectos simbólicos invisíveis da estrutura social, contribuindo, assim, para a interpretação da realidade e para que, com base nela, diferentes atores sociais possam elaborar estratégias, como, por exemplo, de intervenção social. O sociólogo, portanto, não é o único detentor do conhecimento da realidade, mas o seu diferencial é que o elabora com base em preceitos científicos.
Fica claro, então, que o trabalho do sociólogo na extensão rural não é desagregador, ao contrário, visa junto com as demais áreas do conhecimento qualificar as práticas e desenvolver as capacidades individuais e produtivas presentes no campo. Numa vasta gama de possibilidades, os sociólogos podem assessorar diretamente as famílias e suas organizações no campo, respectivamente, na consecução de direitos e inserção social e na “(re)construção” de grupos informais, associações e cooperativas. Tudo embasado em análises sobre o público em questão e a diversidade de etnias, de culturas e de modos de viver presentes nas comunidades que formam os territórios rurais do sul do país; habitados pelos indígenas e, posteriormente, pelos colonizadores portugueses e espanhóis, africanos escravizados e imigrantes europeus, que vieram a constituir, com o passar do tempo, o povo brasileiro.
Outras possibilidades são a elaboração, execução e avaliação de políticas públicas e o auxílio aos demais profissionais atuantes na própria extensão rural para que melhor atendam e “transitem” entre os agricultores familiares com vistas ao alcance dos objetivos propostos de produção agropecuária e, consequente, melhora da qualidade vida.
Pela importância, tudo indica ser promissora a presença de profissionais com formação em ciências sociais no fazer cotidiano da extensão rural, mas, por ser relativamente nova, há ainda um caminho a ser percorrido. Sua contribuição na promoção do desenvolvimento rural sustentável, com inclusão social, equidade de gênero e raça e sucessão rural nas propriedades rurais é inquestionável. Além disso, tendo em vista as problemáticas específicas do campo e os caminhos para superá-las, propicia a interação com as universidades e a produção de conhecimentos acadêmicos nas áreas de ciências sociais.
Robson Becker Loeck (sociólogo e 1º secretário da ASAE) e Maristela Rempel Ebert (socióloga e vice-presidente da AESR). Ambos são extensionistas rurais sociais na Emater/RS-Ascar.